sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Madrugada Insone - III

Marta estava acordada, tentando fazer sua filha Maria dormir. Os últimos meses foram de muita novidade naquela casa, com a chegada do bebê. Um novo ânimo contagiara toda a família, ainda que as noites tivessem ganho uma nova atividade. Extenuada pela intensa rotina com o acréscimo da filha que nascera há dois meses, Marta contemplava com satisfação e um certo alívio o rosto de Maria que quase adormecia.

Após se certificar que a pequena realmente estava dormindo, a mãe foi à acanhada cozinha de sua igualmente acanhada casa para tomar um copo de água. Feliz por finalmente dispor de algumas horas de sono, Marta foi escutando um barulho crescente de um carro em alta velocidade. Quando o som parecia atingir seu volume máximo, este foi acrescido do estridente ruído de freios e de risadas.

Temendo por si mesma e pela filha, Marta não teve coragem de ir olhar o que acontecia. Aguardou ansiosa por minutos que se estendiam lentos na escuridão. Pensando no quão agitada era a vida da malandragem na favela A, escoava em sua mente o futuro da recém chegada menina, as pessoas com quem se envolveria nos anos por vir e a luta diária para a resguardar da fealdade deste mundo.

Quando parecia que as coisas estavam novamente calmas, Marta escutou passos apressados de alguém passando ao lado de sua casa, junto à vala de esgoto. Dominada por uma coragem até então desconhecida, abriu a porta de trás e só conseguiu enxergar um vulto fugindo pelas ruelas que ficavam atrás do seu terreno. Contornou seu pátio e viu no ferro-velho em frente o vigilante se embriagando, como fazia todas as noites.

Recuperando a calma, Marta escutou o choro de Maria ecoando pela casa. Sua merecidas horas de descanso teriam de esperar um pouco mais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Três Chances para o Acaso

1

Como todos os sábados, caminhou do carro até a academia de dança após estacionar em uma rua próxima. Como também tinha se tornado usual, passou pelo menino que mora na casa ao lado do seu destino, e como sempre, ignorou as caretas que ele lhe fazia. Subiu os três degraus do hall de entrada e se dirigiu ao vestiário para trocar de roupa.
Pronto para o ensaio, encontrou todos os colegas, inclusive seu par. Apesar de estar um pouco acima do peso, ela sempre teve muita desenvoltura para a dança, tornando aquelas aulas muito agradáveis. Fazia seis meses que ele passara a freqüentar o curso de dança de salão que sua ex-namorada recomendara. A princípio, tinha ficado muito acanhado com a situação porque, além de ser naturalmente tímido, se considerava muito “artificial” para qualquer tipo de atividade cênica. No entanto, com o passar do tempo, deixou de levar tudo aquilo tão a sério e começou a achar seu compromisso de sábado a tarde muito interessante. Além de auxiliar em seus problemas de inibição, percebia que, pouco a pouco, seu corpo vinha se tornando mais rijo e, em sua opinião, mais atraente.
Tinha quase um metro e oitenta de altura, começava a ficar grisalho, mas, de certa maneira, esse detalhe tinha um ar natural em sua fisionomia. Havia pouco tinha passado dos trinta anos e, certamente, se notava nele um certo ar de maturidade. Para o curso, sempre usava uma calça de malha preta com uma camiseta da mesma cor. Nos pés, usava um sapato preto e essa combinação, sempre que refletida no espelho, o divertia muito.
Quando a música começou, segurou firme sua parceira e começou a guiá-la nos passos que há algumas semanas vinham treinando. Ela estava bastante entusiasmada, e ele pensou que se sua aparência não era exatamente a mais atrativa, ela certamente tinha algo que despertava a atenção dos homens, especialmente quando dançava. Pararam por um momento, após um leve tropeço dele, riram após trocarem um olhar de cumplicidade, e retomaram os movimentos.
Passados três quartos de hora, quando o ensaio estava quase chegando ao fim, ele tomou uma decisão: a convidaria para sair à noite, mais tarde. Já fazia bastante tempo que se separara e já era hora de iniciar outro relacionamento. Além disso, aquela sintonia que alcançavam em cada dança não podia ser fortuita. Enquanto alimentava essas intenções, sentiu o cheiro forte de madeira queimada que invadia a sala de dança.
O estabelecimento do curso consistia em uma ampla sala quadrada e dois banheiros que serviam como vestiário. Fora a porta de entrada e uma grande janela ao lado, havia ainda uma portinhola que levava a uma pequena área livre, cercada de muros. O fogo que tomava o lugar formava uma barreira à porta que levava à rua. Ele teve a calma suficiente para ajudar os colegas a escaparem pela janela ao lado da porta. No entanto, quando chegou sua vez de ficar a salvo do risco, já não era possível acessar esta janela. Colocou uma toalha que alguém havia deixado ali no rosto para não inalar muita fumaça e se dirigiu à área dos fundos.
Chegando lá, decidiu pular o muro que ficava a direita, porque era mais baixo. Ficou aliviado por ter chegado ali tão facilmente, pois havia pensando no pior quando as labaredas o impediram de ganhar a rua em frente. Também ficou feliz por notar a presença de um senhor de idade que estava sentado em uma poltrona dentro da casa à qual aquele pátio pertencia. Com certeza, o ancião já notara o fogo e alertara o corpo de bombeiros, pensou. Ao se aproximar, não entendeu o motivo do sorriso quase irônico que o outro lhe oferecera, assim como não entendeu quando o mesmo senhor puxou uma pistola de baixo da almofada da poltrona e disparou os dois tiros que lhe vararam o peito.

2

Em uma casa como tantas outras, em um sábado fatídico:

- Que merda é essa aqui no chão?
- Ah mãe, é o meu trabalho para a feira de ciências.
- Isso é o seu trabalho? Essa sujeira toda espalhada pelo chão?
- É que eu precisei usar argila para montar esse vulcão aí. Legal, não é?
- Essa coisa ridícula deveria ser um vulcão? Ah menino, esse monte de barro não vai dar para nada.
- Mas a professora achou ótima a minha idéia...
- É uma retardada, quase tanto quanto você. Vulcão, isso aí, essa é boa. Agora vai brincar na rua que eu não vou deixar você aqui dentro. Imbecil desse jeito, é capaz de botar fogo na casa toda.
- Onde você vai?
- Não interessa. Vamos, raspa daqui! Porcaria, esse menino só atrasa a minha vida. Maldita hora em que eu dormi com aquele cafajeste. Vamos!

(por que ela fala assim comigo? puxa vida, eu tento tanto ser bom, mas ela só enxerga defeito no que eu faço. e o que o meu pai tem a ver com isso? por que será que é um cafajeste? por que não quis casar com essa vadia? se eu soubesse quem ele é... sei lá... só sei que ela devia ser boa comigo, todo mundo diz que as mães são as melhores pessoas do mundo. mas a minha não é, não é mesmo. chamou meu vulcão de merda. fiquei a manhã inteira trabalhando nele. merda ela disse. merda é aquele troço que ela me faz comer todo o dia. sempre que vou à casa dos meus amigos é diferente, tem sempre uma comida boa e quentinha, não aquele negócio morno e sem gosto que tem em casa todos os dias. merda é ela que vai se esfregar na academia aqui do lado e acha que eu não sei. por que ela gosta tanto de se esfregar nos homens e nem me dá um abraço de vez em quando? quando ela dança parece tão feliz... queria que fosse assim comigo também. não sei o que fiz pra ela. mas se eu pergunto, ela começa a chorar e sai de casa. e eu fico sozinho. não gosto de ficar sozinho. mas quase sempre eu tô sozinho. fora as aulas, tô sempre sozinho. a minha professora é bem mais legal que a minha mãe. pena que ela me xinga quando eu não faço os deveres. pelo menos ela me dá os parabéns quando eu copio todo o texto. ih, lá vem aquele filho da puta que dança com a minha mãe. puto, viado, desgraçado, merda é essa roupa toda preta que ele usa lá dentro. quem ele acha que é? o zorro. eu tenho que ficar andando aqui na rua pra minha mãe poder rebolar com esse filho da puta aí. me chamou de imbecil aquela puta, disse que eu ia botar fogo na casa. chamou meu trabalho de merda. ela vai ver quem é que é imbecil. só queria que a minha mãe fosse como a dos outros...)

- Ô moleque, que você tá fazendo aí? Não, não faz isso! Vai pegar fogo em toda a fiação! Fogo! Fogo! Moleque dos infernos! Volta aqui!

3

Mesmo quando jovem, ele já era conhecido como "o Velho". Ainda que seus cabelos sempre tenham sido ralos e seu rosto repleto de sardas, o apelido se aplicava muito mais à sua personalidade. Muito supersticioso e desconfiado, frequentemente era desagradável com as pessoas pela intransigência de suas opiniões. Se por algum motivo cismava com alguma coisa, não abandonava uma discussão até que seu interlocutor se desse por vencido. E se caso os argumentos lhe faltassem, agredia seu adversário da maneira mais torpe com insultos direcionados ao ponto fraco específico de cada um. Isso o tornou impopular desde a adolescência.
Essas discussões acaloradas que tinha com qualquer um lhe custaram muitas surras que recebia com valentia, embora sem muito sucesso no revide, porque tinha um físico franzinho, quase doente. Entretanto, após a surra, murmurava para si mesmo, "idiotas, o que lhes falta de cérebro, sobra em força bruta". As constantes brigas e a impopularidade o tornaram uma pessoa solitária, e essa solidão o tornou cada vez mais arisco ao convívio humano.
Certa vez, já em idade adulta, o Velho arranjou uma companheira. Não se sabe como, uma alma muito dedicada se afeiçoou a ele. Essa incerteza, no entanto, não lhe passou despercebida. Também, não sabia o Velho por que diabos alguém se sujeitara a viver consigo. Logo essa incerteza se transformou em desconfiança e esta, em agressão. A moça, que no início o tolerava quase cegamente, passou a sofrer com os questionamentos mais infundados, as insinuações mais vis e com os impropérios mais rudes que lhe eram dirigidos. Não foi à toa que o Velho acordou em uma manhã e encontrou a casa vazia. Nunca mais teve notícia de sua “amada”.
Dessa forma, a vida do Velho se tornou uma sucessão de dias muito parecidos, de casa para o trabalho em uma repartição pública em que fora admitido, do trabalho para casa. Em sua vida solitária, abandonou quase totalmente o asseio, não porque lhe faltasse qualquer coisa, mas simplesmente porque não fazia questão de qualquer contato com outras pessoas. Sua falta de higiene, no entanto, atraía a atenção dos outro para si, de modo que muitos o olhavam e faziam os comentários menos lisonjeiros a seu respeito.
Para a mente já perturbada do velho, todos esses acontecimentos a princípio corriqueiros foram assombrosos para sua relação com o mundo. E quando o Velho realmente envelheceu, só sobrou uma casa igualmente velha e uma desconfiança doentia de tudo e de todos. Essa casa, que já fora muito bonita em outros tempos, era agora um amontoado de cômodos cheirando a mofo. Os únicos ambientes que freqüentava eram o banheiro que o recebia em seus não muito freqüentes banhos e uma sala abarrotada de embalagens de comida que comprava em restaurantes baratos, porque a ojeriza do Velho não permitiu que aprendesse a cozinhar. Nessa sala em que fazia suas refeições e conspirava contra o planeta, ele também dormia e “guardava” seus andrajos amarrotados, quase todos ruços e manchados. A mobília era constituída de uma poltrona velha e suas respectivas almofadas, uma mesinha em que repousava uma televisão que alimentava sua ira e uma pistola Mauser. Esse recinto tinha comunicação com um pequeno jardim, onde o mato grassava.
Nessa situação se encontrava o Velho em mais um sábado rançoso de sua vida, belicoso com o gênero humano, sentado em sua poltrona não assistindo a um programa de auditório qualquer. Despertou de seus devaneios ao sentir um cheiro forte de fumaça. Pensou, “querem acabar comigo”. Alisava sua Mauser quando enxergou um homem todo vestido de preto, com uma toalha encobrindo o rosto, cambaleando em seu jardim. Sem saber bem o porquê, se sentiu exultante e sorriu. Fez mira e disparou duas vezes para em seguida assistir o corpo do homem produzir um som abafado ao cair sobre o capim alto. O Velho se levantou da poltrona e caminhou até o corpo. Foi com sangue em seus pés que murmurou, “eu tinha razão”.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Natureza Morta

Em uma farta mesa, onde abundavam as panelas cheias e os meio silêncios, uma família reunida repetia o ritual diário de mastigar juntos. Em uma pequena cozinha que também era usada como sala-de-jantar, os aromas da comida se misturavam aos cheiros dos corpos que passaram o dia inteiro a trabalhar. Cinco pessoas formavam o habitual grupo que dia após dia repetia as mesmas poucas frases que nada pretendiam além de quebrar os sons de talheres rangindo contra as louças arranhadas pelo uso.

Sentados em banquetas simples, o pai e seus dois filhos levavam maquinalmente seus garfos à boca, vestindo trajes surrados da lida diária. Comiam sem o cuidado de lavar as mão ou de tirar os chapéus que muito raramente os abandonavam. Em vestidos de chita em estado semelhante, a mãe e a filha se olhavam ansiosas, esperando por uma palavra de conforto ou aprovação que nunca vinha. Sem muito entusiasmo, comiam a comida que invariavelmente preparavam, sem saber se estavam fartas de seu próprio tempero ou da rotina esmagadora que as comprimia naquela cozinha.

Emolduravam aquela imagem uma escassa mobília e alguns utensílios de cozinha, além de uma natureza morta que pendia meio torta em uma das paredes, sobre as cabeças daqueles que ali estavam. A singeleza daquelas frutas em travessa sobre uma mesa, pintada naquele quadro em nada parecia contrastar com a rotina daquele ambiente.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Madrugada Insone - II

Osvaldo passava as madrugadas entre a nostalgia do tempo em que trabalhava como vigilante em uma escola particular e as nuvens que encobriam qualquer sentimento criadas pelo álcool. Passava vastos momentos pensando na doce rotina de trabalhar entre às oito horas da manhã e às seis horas da tarde, na afabilidade de seu público e em quão suave era sua vida, comparada ao que vivia agora.

Em meio aos seus devaneios, Osvaldo foi bruscamente trazido à realidade quando escutou o cantar de pneus que uma kombi velha lançava, lamentosa, em frente ao escuro ferro-velho de que tomava conta na favela A. Sem saber ao certo se aquilo que via era efeito da cachaça barata que lhe fazia companhia ou se era real, o vigilante se deparou com um corpo semi nú do outro lado da rua, próximo ao valão fedorento que costeava aquela avenida lúgubre. Pensou em atravessar a rua e prestar auxílio àquela pessoa, quando a rotina de violência da vizinhança lhe açoitou a face da consciência.

Remoendo a indecisão e o medo, seus pensamentos abalados entraram em turbilhão, misturando o fracasso que a bebida gerara em sua vida com a sempre crescente angústia de um presente tão duro. Decidido a tomar uma atitude, se levantou para socorrer o homem ferido. Passou a mão na garrafa para tomar um gole encorajador, e este levou a outro, e muitos outros goles se seguiram, enquanto o outro que estava estendido junto à vala corria favela adentro.

Madrugada Insone - I

Altas horas da madrugada, uma novidade por muitos conhecida chamava a atenção na favela A. Ao lado de uma vala de esgoto aberta, Roni permanecia estirado e imóvel sobre o capim molhado pelo sereno. Estava quase nu, permanecendo somente as cuecas e as meias. No rosto, o inchaço em seu olho esquerdo parecia uma pequena beringela; a cartilagem de seu nariz pendia um pouco para o lado, fazendo conjunto com outros ferimentos de todos os tipos e tamanhos.

Acordou com as cócegas que o rabo de uma rato gordo lhe fizera na face machucada. A dor que sentia em seu corpo motivou um grito que morreu na origem, porque não conseguiu mover a mandíbula quebrada. Totalmente desnorteado, não sabia onde estava ou como havia chegado ali, permanecendo somente o instinto. E por conta deste, correu entre o casario alerta para sumir na escuridão.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Índio Hipojucan

Acostumada a lidar com a malandragem, Sara desta vez se viu em maus lençóis. Desde que começou a trabalhar para Ricardo, o cafetão, viu sua renda mensal cair vertiginosamente. Quando tentou ganhar algum "por fora", logo foi descoberta e aí seus problemas realmente começaram.

Ricardo, malandro emergente, começou a trabalhar com o aliciamento de meninas quando viu que os figurões da área não eram exatamente um exemplo de coragem. Algumas ações simples de selvageria lhe garantiram todo o respeito necessário para iniciar seu negócio. Foi assim que Sara viu sua sorte mudar, ao ser cooptada junto a várias outras meninas pelo novo patrão na zona alegre da cidade. Assim que Ricardo descobriu os programas secretos de sua "protegida", exigiu imediatamente que esta o ressarcisse com juros e correção, o que significava meses de trabalho árduo e gratuito.

Aflita com seu destino, foi aconselhada pelas colegas que tratasse com o índio Hipojucan, conhecido na praça como valentão, leão-de-chácara e benfeitor de moças de vida fácil. Quando se deparou com ele em seu quarto de pensão, não encontrou aquilo que podemos chamar de um "tipo atlético". Retaco, uma farta porção de sua barriga escapava pela camiseta justa. Os cabelos muito negros e lisos caíam sobre os olhos indiáticos e indolentes. Nas palavras, não se tornava mais encantador. Quando perguntado pela meretriz de onde tinha vindo aquele nome tão incomum, só pode dizer:

"Minha mãe não sabia se meu pai era Juarez, Hipólito ou Cândido. Juntou um pedaço do nome de cada pra não cometer nenhuma injustiça".

O índio escutou a história toda de Sara sem muito interesse. Após as reiteradas súplicas da mulher para que resolvesse o problema, perguntou:

"Que quer que eu faça"?
"Que dê um fim nele"?
"É possível, mas não é de graça".
"Mas moço, se eu não tenho dinheiro para pagar o Ricardo"...
"Só vai custar o seu rabo".
"Mas o que é isso"?
"Não seja boba. Uma vez só, pra compensar o incômodo."

Apesar de ter seus brios, Sara não era hipócrita, e assentiu em fazê-lo após o cumprimento do serviço. Sem ter mais o que fazer ali, ela abandonou o quarto de seu salvador sem muita certeza de que se veria livre de sua sina. Só lhe restou ir para sua esquina habitual, trabalhar e rezar para que tudo se resolvesse.

Após uma noite fraca de alguns bêbados e de adolescentes com pouco dinheiro, Sara foi para casa cansada e sem muita esperança. Subiu as escadas de seu edifício velho no centro para encontrar Hipojucan sentado junto à porta. Seu aspecto era deplorável. O rosto bastante magoado pelo que deve ter sido uma senhora surra, a orelha direita mordida e a camiseta rasgada. Sem saber o que aquilo significava, mas esperando pelo pior, a mulher nada pôde dizer. Diante do silêncio, o índio murmurou:

"Vim para a paga".
"Mas... você desse jeito... conseguiu"?
"Eu venho aqui neste estado, a essa hora da madrugada e você me pergunta se deu certo? Claro que deu certo. Não foi fácil, mas está tudo resolvido".

Aliviada, Sara convidou Hipojucan para entrar. Este sentou em uma poltrona e esperou que ela se despisse. Seu corpo cansado não tinha perdido de todo a beleza. Sua bunda continuava firme, seus seios fartos ainda tinham seu vigor, embora sua barriga começasse a apresentar uma pequena saliência. Com a calma de quem conhece a rotina, ela esperou deitada que o índio também tirasse a roupa e a pegasse por trás.

Hipojucan abandonou o ar preguiçoso que o acompanhava para demonstrar uma urgência que não lhe era natural. Sua pélvis atacava com violência as nádegas da prostituta que, honrada, não reclamava. Após o rápido desfecho, Hipojucan se vestiu e partiu sem se despedir. Sara permaneceu deitada, com seus pensamentos sobre a justiça ou a ausência dela. Ao ouvir o barulho da porta novamente, se levantou para perguntar o que o índio havia esquecido quando se deparou com Ricardo, levemente machucado no rosto que, por sinal, era a verdadeira representação do ódio.

“Tá pra nascer um bugre filho-da-puta com culhão suficiente pra me lastimar. Ele escapou, mas você não, puta”.

Novamente o desfecho foi rápido. Sara continuou deitada, mas dessa vez não pensava nada. Jazia inerte, com seu pescoço quebrado e fodida, na verdadeira acepção da palavra.

Como funciona

Depois que comecei a escrever, alguns medos que eu tinha desapareceram. Muitos deles diziam respeito às minhas verdadeiras capacidades, e o fato delas não serem enormes ou minúsculas foi uma benção. E a possibilidade de pelo menos me permitir fazer parte das coisas que eu gosto, independente de meu sucesso nisso, tem sido libertador.

Por essas coisas e por outras, resolvi criar este blog. Porque quero me aventurar pela literatura, sem me sentir mal pelo resultado. Porque quero criar coisas, ou pelo menos me exercitar tentando. Assim, quem passar por aqui encontrará algum esforço meu nesse sentido. E desde já se sinta convidado para participar disso comigo.