quarta-feira, 21 de julho de 2010

Madrugada Insone - II

Osvaldo passava as madrugadas entre a nostalgia do tempo em que trabalhava como vigilante em uma escola particular e as nuvens que encobriam qualquer sentimento criadas pelo álcool. Passava vastos momentos pensando na doce rotina de trabalhar entre às oito horas da manhã e às seis horas da tarde, na afabilidade de seu público e em quão suave era sua vida, comparada ao que vivia agora.

Em meio aos seus devaneios, Osvaldo foi bruscamente trazido à realidade quando escutou o cantar de pneus que uma kombi velha lançava, lamentosa, em frente ao escuro ferro-velho de que tomava conta na favela A. Sem saber ao certo se aquilo que via era efeito da cachaça barata que lhe fazia companhia ou se era real, o vigilante se deparou com um corpo semi nú do outro lado da rua, próximo ao valão fedorento que costeava aquela avenida lúgubre. Pensou em atravessar a rua e prestar auxílio àquela pessoa, quando a rotina de violência da vizinhança lhe açoitou a face da consciência.

Remoendo a indecisão e o medo, seus pensamentos abalados entraram em turbilhão, misturando o fracasso que a bebida gerara em sua vida com a sempre crescente angústia de um presente tão duro. Decidido a tomar uma atitude, se levantou para socorrer o homem ferido. Passou a mão na garrafa para tomar um gole encorajador, e este levou a outro, e muitos outros goles se seguiram, enquanto o outro que estava estendido junto à vala corria favela adentro.

Madrugada Insone - I

Altas horas da madrugada, uma novidade por muitos conhecida chamava a atenção na favela A. Ao lado de uma vala de esgoto aberta, Roni permanecia estirado e imóvel sobre o capim molhado pelo sereno. Estava quase nu, permanecendo somente as cuecas e as meias. No rosto, o inchaço em seu olho esquerdo parecia uma pequena beringela; a cartilagem de seu nariz pendia um pouco para o lado, fazendo conjunto com outros ferimentos de todos os tipos e tamanhos.

Acordou com as cócegas que o rabo de uma rato gordo lhe fizera na face machucada. A dor que sentia em seu corpo motivou um grito que morreu na origem, porque não conseguiu mover a mandíbula quebrada. Totalmente desnorteado, não sabia onde estava ou como havia chegado ali, permanecendo somente o instinto. E por conta deste, correu entre o casario alerta para sumir na escuridão.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Índio Hipojucan

Acostumada a lidar com a malandragem, Sara desta vez se viu em maus lençóis. Desde que começou a trabalhar para Ricardo, o cafetão, viu sua renda mensal cair vertiginosamente. Quando tentou ganhar algum "por fora", logo foi descoberta e aí seus problemas realmente começaram.

Ricardo, malandro emergente, começou a trabalhar com o aliciamento de meninas quando viu que os figurões da área não eram exatamente um exemplo de coragem. Algumas ações simples de selvageria lhe garantiram todo o respeito necessário para iniciar seu negócio. Foi assim que Sara viu sua sorte mudar, ao ser cooptada junto a várias outras meninas pelo novo patrão na zona alegre da cidade. Assim que Ricardo descobriu os programas secretos de sua "protegida", exigiu imediatamente que esta o ressarcisse com juros e correção, o que significava meses de trabalho árduo e gratuito.

Aflita com seu destino, foi aconselhada pelas colegas que tratasse com o índio Hipojucan, conhecido na praça como valentão, leão-de-chácara e benfeitor de moças de vida fácil. Quando se deparou com ele em seu quarto de pensão, não encontrou aquilo que podemos chamar de um "tipo atlético". Retaco, uma farta porção de sua barriga escapava pela camiseta justa. Os cabelos muito negros e lisos caíam sobre os olhos indiáticos e indolentes. Nas palavras, não se tornava mais encantador. Quando perguntado pela meretriz de onde tinha vindo aquele nome tão incomum, só pode dizer:

"Minha mãe não sabia se meu pai era Juarez, Hipólito ou Cândido. Juntou um pedaço do nome de cada pra não cometer nenhuma injustiça".

O índio escutou a história toda de Sara sem muito interesse. Após as reiteradas súplicas da mulher para que resolvesse o problema, perguntou:

"Que quer que eu faça"?
"Que dê um fim nele"?
"É possível, mas não é de graça".
"Mas moço, se eu não tenho dinheiro para pagar o Ricardo"...
"Só vai custar o seu rabo".
"Mas o que é isso"?
"Não seja boba. Uma vez só, pra compensar o incômodo."

Apesar de ter seus brios, Sara não era hipócrita, e assentiu em fazê-lo após o cumprimento do serviço. Sem ter mais o que fazer ali, ela abandonou o quarto de seu salvador sem muita certeza de que se veria livre de sua sina. Só lhe restou ir para sua esquina habitual, trabalhar e rezar para que tudo se resolvesse.

Após uma noite fraca de alguns bêbados e de adolescentes com pouco dinheiro, Sara foi para casa cansada e sem muita esperança. Subiu as escadas de seu edifício velho no centro para encontrar Hipojucan sentado junto à porta. Seu aspecto era deplorável. O rosto bastante magoado pelo que deve ter sido uma senhora surra, a orelha direita mordida e a camiseta rasgada. Sem saber o que aquilo significava, mas esperando pelo pior, a mulher nada pôde dizer. Diante do silêncio, o índio murmurou:

"Vim para a paga".
"Mas... você desse jeito... conseguiu"?
"Eu venho aqui neste estado, a essa hora da madrugada e você me pergunta se deu certo? Claro que deu certo. Não foi fácil, mas está tudo resolvido".

Aliviada, Sara convidou Hipojucan para entrar. Este sentou em uma poltrona e esperou que ela se despisse. Seu corpo cansado não tinha perdido de todo a beleza. Sua bunda continuava firme, seus seios fartos ainda tinham seu vigor, embora sua barriga começasse a apresentar uma pequena saliência. Com a calma de quem conhece a rotina, ela esperou deitada que o índio também tirasse a roupa e a pegasse por trás.

Hipojucan abandonou o ar preguiçoso que o acompanhava para demonstrar uma urgência que não lhe era natural. Sua pélvis atacava com violência as nádegas da prostituta que, honrada, não reclamava. Após o rápido desfecho, Hipojucan se vestiu e partiu sem se despedir. Sara permaneceu deitada, com seus pensamentos sobre a justiça ou a ausência dela. Ao ouvir o barulho da porta novamente, se levantou para perguntar o que o índio havia esquecido quando se deparou com Ricardo, levemente machucado no rosto que, por sinal, era a verdadeira representação do ódio.

“Tá pra nascer um bugre filho-da-puta com culhão suficiente pra me lastimar. Ele escapou, mas você não, puta”.

Novamente o desfecho foi rápido. Sara continuou deitada, mas dessa vez não pensava nada. Jazia inerte, com seu pescoço quebrado e fodida, na verdadeira acepção da palavra.

Como funciona

Depois que comecei a escrever, alguns medos que eu tinha desapareceram. Muitos deles diziam respeito às minhas verdadeiras capacidades, e o fato delas não serem enormes ou minúsculas foi uma benção. E a possibilidade de pelo menos me permitir fazer parte das coisas que eu gosto, independente de meu sucesso nisso, tem sido libertador.

Por essas coisas e por outras, resolvi criar este blog. Porque quero me aventurar pela literatura, sem me sentir mal pelo resultado. Porque quero criar coisas, ou pelo menos me exercitar tentando. Assim, quem passar por aqui encontrará algum esforço meu nesse sentido. E desde já se sinta convidado para participar disso comigo.