segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Uma quadra

 

Desceu as escadas do restaurante na esquina da Rua Marechal Floriano Peixoto com a Duque de Caxias. Estufado pelo farto almoço entrou na farmácia que fica sob a cantina e comprou comprimidos contra a azia que sempre lhe acometia após seus exageros gastronômicos. Ainda assim, o sabor do molho que cobria o filé recheado permanecia em sua boca, dissipando qualquer arrependimento.

Enquanto pensava nisso, o cheiro de assepsia da farmácia foi substituído pelo de fritura que vinha de outro restaurante ao lado. Parou um instante para observar a obstinada voracidade com que aqueles trabalhadores do comércio devoravam o que tinha a frente. Com certeza eles não teriam a mesma satisfação que tivera a pouco, embora pudessem se irmanar na azia que talvez sentissem pela ingestão daquele óleo tantas vezes usado.

Um arrepio percorreu sua espinha depois de tal pensamento e fez com que caminhasse três ou quatro passos apressados em direção à Praça da Matriz. Sob a sombra de uma árvore sentiu a brisa suave que corria e tornava aquele dia tão agradável. Acendeu um cigarro que tragou com gosto, expelindo a fumaça devagar enquanto olhava os livros de um sebo decadente.

Leu "As Vinhas da Ira" em uma capa empoeirada e pensou que deveria conhecer uma história com um título tão impactante, mesmo que nunca tivesse ouvido falar em John Steinbeck. Sem entrar na loja pagou o senhor que ali atendia, recebendo um quase comovido agradecimento como resposta.

Jogou a bituca no chão e, ao apagá-la, sentiu como o limo tornava aquelas lajotas escorregadias. Com o sol atingindo seu rosto em cheio, desceu as escadarias que levam à Borges de Medeiros e caminhou rumo ao Mercado Público sem registrar em sua memória as sensações que aquelas quadras traziam.

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