quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Abdução

Acordou sobressaltado com o barulho do despertador. Passara a noite em claro pensando na manhã seguinte e pouco pudera dormir. Nervoso, cruzou a sala sem falar com sua mãe e se dirigiu ao banheiro. Durante o banho seu coração batia descompassado. Não se atrevia a pensar no que estava por vir e por isso apenas olhava fixamente para alguns cabelos que desciam lentamente pelo ralo.

Depois de se vestir, desceu as escadas do seu edifício na Avenida Francisco Trein, na zona norte de Porto Alegre. Indo pela calçada, mal notou as pessoas que se amontoavam em frente ao Hospital Conceição a procura de atendimento para suas variadas enfermidades. Era uma terça-feira ensolarada de inverno e os transeuntes caminhavam satisfeitos, após um longo período de chuvas. O seu caminhar, no entanto, era diferente dos demais. Tinha o passo incerto e lento daqueles que não desejam chegar ao seu destino.

Na Avenida Assis Brasil, parou na loja de conveniências de um posto de gasolina e pediu um café. A atendente perguntou se ele se sentia bem, mas não teve forças para murmurar uma palavra sequer. Tomou o café em dois longos sorvos e atravessou a movimentada avenida para tomar o primeiro ônibus que passasse em direção ao centro da cidade.

Dentro do veículo, buscou um banco vazio ao fundo. Porém sua solidão durou pouco, pois fez o restante da viagem praticamente esmagado contra a janela, ao lado de um senhor muito gordo e com um cheiro forte de cigarro que subira no ponto seguinte. Durante o trajeto entrou um rapaz que distribuiu bilhetes com um pedido de esmola entre os passageiros. Ao ler o papel, pensou se alguém teria pena dele também e chorou baixo, com o rosto colado ao vidro.

Desceu do ônibus ao lado do Mercado Público e atravessou o Largo Glênio Peres com a cabeça baixa, envergonhado de suas lágrimas. Parou em seguida, em frente a uma loja de discos na Galeria Chaves, indeciso se deveria levar aquilo adiante. Mas, temendo ser visto por um conhecido que se aproximava, apressou o passo em direção à Rua da Praia. Sem coragem de olhar para trás, subiu a Borges de Medeiros até a esquina com a Riachuelo.

Entrou nessa rua e caminhou mais alguns metros. Suado, olhou ao redor e observou por um instante um jovem casal que escolhia livros de um balaio em frente a um dos vários sebos que ali existem. Viu seus semblantes serenos e chorou mais uma vez, levantando o rosto para o céu claro que agora lhe ofuscava os olhos.

Baixou o rosto, olhou em torno de si novamente e se acalmou um pouco com o fato de não ter despertado a atenção de ninguém. A sua frente estava o seu destino, uma porta aberta ao lado de uma pequena loja de roupas íntimas. Cruzou o umbral e se deparou com uma escada mal iluminada por uma lâmpada suja. O barulho dos degraus que ia galgando fazia coro o bater surdo que seu peito emitia. No topo da escada, se viu entre caixas cheias de livros empoeirados sobre um carpete mofado. Escutou o rangido da porta sendo fechada à suas costas, no outro extremo da escada, fechou os olhos e se deixou dominar pela escuridão.

***

A última referência ao seu nome conhecida constava em um jornal de três meses depois, em uma pequena nota de desaparecimento com uma foto sua ao lado. Mas esta foi pouco notada, pois estava impressa ao lado de um anúncio da grande promoção de automóveis que aconteceria no dia seguinte.

Um comentário:

  1. Muito bom, Thiago, adorei!

    O meu blog tem mais poema do que conto, mas lê um chamado "um dois três quatro", acho que tu vai curtir, ou não heheh bjo

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