Há muitos anos atrás, Roberto foi uma pessoa curiosa. Quando criança, nutria com o mais sincero interesse os pequenos mistérios que se apresentam a aqueles que há pouco foram apresentados à vida. Se o céu trovejava, logo queria saber o motivo. Também muito lhe intrigava por que seu pai tinha pelos no peito e sua mãe não. O problema era que seus questionamentos não encontravam o mesmo entusiasmo em uma família ausente que lhe sonegava estas e tantas outras respostas. Com o passar dos anos, a frustração isso lhe causava foi amainando a vontade de saber que o inquietava sempre. Ainda assim, nutria a esperança que a escola que seus irmãos mais velhos frequentavam o ajudasse a ter algumas respostas para a sua curiosidade latente.
Aos seis anos de idade, sentado em uma cadeira meio quebrada de uma escola estadual, percebeu que, ao contrário do que imaginara, sua curiosidade não era bem-vinda em sua classe. A cada pergunta que fazia a sua professora, notava nesta um ar cada vez maior de enfado e impaciência. Ora, tudo que Roberto fazia era obedecer o que a mestra havia enfatizado no primeiro dia de aula, que ninguém voltasse para casa com dúvidas. No entanto, como pode perceber, havia muito mais de protocolo do que de sinceridade nessa solicitação. E embora não soubesse o que significava protocolo, foi sendo aprovado, ainda que sob a pecha de alundo "inconveniente" e "hiperativo".
Chegada a adolescência, a curiosidade que um dia preencheu Roberto de excitação pelo desconhecido se transformou em estranhamento. Também mudou seu sentimento em relação a aquilo que não conhecia, que agora trazia medo ao invés de prazer. Ano a ano, sua vontade de entender o mundo vinha sendo solapada e esta sofreu o golpe final no dia em que algum manda-chuva político apareceu em sua escola para distribuir promessas e apertos de mão no ano em que completaria o ensino fundamental. Movido pelo ânimo que restara, Roberto perguntou ao maioral qual era a importância de ir à escola, posto que esta não tinha conseguido tornar o mundo mais claro para si e, pelo que podia perceber, também para os seu colegas. No lugar da resposta que acreditava que lhe seria dada de acordo com o tão divulgado espírito democrático da escola, recebeu uma suspensão três dias e uma bela coça com a fivela do cinto do seu pai, que fora obrigado a comparecer ao gabinete do diretor para prestar esclarecimentos.
Desde então, Roberto decidiu abandonar a curiosidade. Frequentando agora muito mais a rua do que a escola, percebeu que poderia viver sem fazer perguntas. Mais do que isso, quem faria perguntas agora seriam os outros e ele traria as soluções. Claro que não foi difícil encontrar alguém que lhe daria a atenção tantas vezes negada antes em troca do seu silêncio. Assim, pouco a pouco, Roberto foi trocando o título de "incoveniente" pelo de "extremamente conveniente". Aos dezessete anos abandonou a família sem que esta transparecesse muito pesar, começou a agir mais e questionar menos em benefício próprio, enfim, se tornou um homem resoluto.
E foi esta resolução que colocou Roberto ao volante de uma Kombi velha descendo uma ladeira estreita a toda velocidade na Favela A. Depois de trabalhar bem o vagabundo que tinha armado a palhaçada de um protesto contra a violência do tráfico de drogas na favela e de surrar também sua esposa e o filho mais velhos deles, foi dar um recado explícito a todos que ousassem questionar quem tinha a autoridade ali. Colocou o palhaço na parte de trás do furgão e o largou ao lado de uma vala de esgoto, no coração daquela comunidade. Sem o menor vestígio do garoto curioso que fora um dia, Roberto subiu novamente a ladeira estreita com toda a certeza de que o esperava a aprovação do chefe e uma cerveja gelada.
Thiago, teu blog tá show. Tu escreve muito bem. parabéns!
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